segunda-feira, agosto 08, 2005

O Rancho Folclórico

De férias num sítio ainda quase rural, não é estranho, de tempos a tempos, assistir a um espectáculo de rancho folclórico. O que, sinceramente, me agrada, visto ser apologista de registos que nos lembrem o passado, se bem que não muito distante, em que o país rural (a Província) vivia à sombra da Metrópole, asfixiada num marasmo de ignorância e do seu aproveitamento político e social. Mas tem mais: é bonito ver a simplicidade dos trajes dos trabalhadores, das suas alfaias, em contraste com o ouro e a opulência dos mais abastados; fascinam-me, também, as actividades da altura, as circunstâncias em que se dançava, as letras das músicas reflectindo as preocupações de há pouco menos de um século atrás, os romances, namoros e namoricos, o controlo das mães, sempre zelosas, a alimentação; e a música, sempre acústica e tradicional, sempre excelente... todo um mundo que parece caído no esquecimento do qual o folclore parece querer dar o último grito de alerta.
Aliás, a palavra folclore é corruptela do inglês Folk (povo) + Lore (sabedoria), o que já explica muita coisa. A sabedoria do povo é a sabedoria do ritual quotidiano, transformado em actividades que servem para poupar energia essencial ao trabalho, e converter as ideias simples e a música em lazer, talvez o único disponível então, numa altura em que não havia sequer telefonia.
No entanto, preocupa-me a ideia de que algumas circunstâncias daqueles tempos sombrios tenham chegado incólumes ao presente.
A ignorância que é transversal na nossa realidade contemporânea, parece-me ser o fio condutor entre o passado e o presente. Apesar de quase cem anos passados desde a altura-tipo dos registos etnográficos a que podemos assistir, vivemos ainda num País toldado e inerte.
Os ranchos folclóricos, assim como todas as outras manifestações de etnografia, são cultura e merecem lugar de destaque. Merecem, também, ser compreendidos como algo mais que um registo, assumindo uma forma de consciência profunda daquilo que foi o nosso passado e as nossas raízes populares.
Só o esbatimento da ignorância do presente fará compreender a ignorância do passado e as suas causas. O problema é que a ignorância pretérita influencia, ainda, em larga escala, a nossa cultura.
Ainda não recuperámos de 40 anos de escuridão...
E que dizer de Barrancos e dos seus touros de morte? Assim como de toda a tauromaquia, que não é mais que um espectéculo de sofrimento de um animal, possante mas idefeso perante o engenho do homem. Aqui, este registo de tradição, ao contrário do folclore, já não me merece admiração nem respeito. Acho a tourada muito linda sim senhor, mas para ser confinada a um museu. Tanto pelo sofrimento do animal, como pela passagem do tempo ter mantido uma tradição assente em valores especistas e em comportamentos elitistas.
Mas isto é assunto para outro post...
Por agora, gostaria de dedicar este texto ao Rancho Folclórico de Portomar, na figura de Luísa Cupido, actualmente em digressão pelos Açores (volta rápido), com um grande abraço.
Prometo que para o próximo post, vou abandonar a influência do Eng. Sousa Veloso (que saudades dos Domingos de manhã) e vou voltar à carga pura e dura.

6 comentários:

horned_dog disse...

Uma tradição de aplaudir, essa dos cantares populares... Eu próprio envolvi-me em tempos num grupo académico, que tinha o propósito de perpétuar, por mais breve modo que fosse, o canto popular... E tenho saudades desses tempos, que para minha trsiteza também foram os últimos do grupo. Como diz um bela trova de Coimbra:
"...é preciso acreditar, que a canção de quem trabalha é um bem p'ra se guardar, que não há nada que valha a vontade de cantar, a qualquer hora cantar..."

E partilho contigo a repulsa pelo triste "espectáculo" das touradas. Poupemos à tortura aqueles animais...

Anónimo disse...

se não for aqui o Gimbra essa terra é para esquecer. Ensinei-te muita coisa mesmo que não aprendias na faculdade. As caipirinhas não têm o mesmo sabor se o gelo não for partido daquela maneira. Ela volta, e volta cheia de saudades mas com um sotaque terrivel, sotaque de S. Miguel misturado com o de Portomar. Ou seja um perua translocada

Anónimo disse...

Há cerca de um ano atrás tivemos oportunidade de presenciar um grande evento de futebol no nosso país.Tudo o que era vermelho e verde saiu da gaveta e vestimos tudo com essas cores - até os cães.Porque um brasileiro mandou colocámos bandeiras nacionais em tudo o que era sítio...Perdemos.Perdemos o europeu e a compustura.Da boca para fora saía a palavra "patriotismo".Sempre que penso nisso dá-me uma revolta!Afinal é o nosso país conhecido pelo futebol?!Será a nossa cultura resumida a um bando de loucos a correrem atrás de uma bola?E o fado, o folclore, as tunas académicas, as paisagens?Para mim é destas pequenas mas grandes coisas que o nosso pais é feito.Relativamente ao folclore, gosto, senão não teria uma forma participativa num grupo desse género.Gostava de convidar todos a assistirem um dia a uma actuação e apreciarem com atenção a letra e dança,depois questionem avós, pais ou tios mais velhos e perguntem-lhes porque é que naquela altura as coisas eram assim, vão ver que o folclore se torna mais interessante e poderá ajudar a compreender muita da cultura que hoje nos envolve.A todos os porcos capitalistas que governam o país, gostava de dizer que há coisas mais importantes que futebol e rotundas, caso eles não saibam vivemos num país de cultura secular que devia ser aporveitada não apenas para registo...até daqui a algum tempo, pode ser que eu volte.

Rui Valdiviesso disse...

Obrigado, minilu, pelo bom comentário, incendiário como eu gosto. Ah porcos capitalistas!

Rui Valdiviesso disse...

E ainda mais... nos tempos loucos do euro, não era raro ouvir outra palavra que saía da boca para fora e que era confundida com patriotismo... que era "nacionalismo".
Portuguesas e portugueses, por favor, quando decidirem ser patriotas ou nacionalistas, não o façam ser serem cultos e sem comprarem um bom compêndio da História de Portugal e um dicionário de Português! Depois, decidam!

F.S. disse...

Já sei! Vamos juntar o uns homens-de-armas e uns peões e saímos em fossado na Primavera de 2006! Pilhamos umas cidadezecas em Castela e deixamos umas donzelas a suspirar no alto das torres. Quando tivermos a barriga e o saco cheio e as partes moles vazias voltamos, com a graça de S. Jorge. How's this for a good 'ol fashioned patriotic fun?

Boas férias a todos, eu também continuo pelo Portugal profundo donde não sei se voltarei tão cedo. ;)