quinta-feira, novembro 03, 2005

Dias Tranquilos em Clichy

Alguns de vós devem reconhecer o título, de um romance de Henry Miller, esse grande Miller que viveu mais recentemente os últimos resquícios desse Paris das boulevards e dos cafés iluminados a gás de Baudelaire. O Paris do quartier latin onde o nosso Santa Ritta pintor, que preferia que lhe chamassem Pauvre Guillaumme (já o governo Português da altura não suportava financeiramente os estudantes veja-se!), se passeava com um galgo por uma trela. Onde as bailarinas da Ópera Nacional, favorito tema de Degas eram todas oriundas de famílias pobres e após os espectáculos se encontravam com senhores de classes altas para arranjarem protectores. Se o ballet falhasse havia sempre as mesas do Chat Noir, onde se supõem, que o tema para a única escultura de Degas, a célebre Pequena Bailarina tenha terminado os seus dias. Essa Pequena Bailarina, que tantas consciências abalou.

Ora hoje, Clichy não tem estado tão tranquilo. Dizia um parlamentar que foram queimados nestes últimos dias cerca de 150 automóveis. Duram estes levantamentos populares há já 5 noites. Mas porquê? Ora Clichy é um pobre bairro de emigrantes àrabes oriundos do Magrebe - onde para se arranjar um emprego tem de ser ir a 100 entrevistas, onde ainda se é posto de lado pela sociedade Gaulesa por causa da cor da pele e pela religião. Ora a maioria dos Árabes de Clichy são tão Franceses como os habitantes da Cova da Moura são Portugueses. Não tem culpa que os países que os acolhem agora e lhes dão a nacionalidade se tenham servido das suas ex-pátrias da forma que quiseram durante séculos e agora os ponham em ghettos sem esperança no futuro e sem emprego. Comeram-lhes a carne, agora comam os ossos.

Lembra-me um maravilhoso filme que vi nos anos 80, e que desde então nunca mais tive a felicidade de ver de novo. Chamava-se "Thé au harem d'Archimède", e tratava exactamente do jovem Árabe Francês e da sua luta do quotidiano. Foi apresentado no Festival de Cannes em 1985 e realizado por Mehdi Charef.

Se puderem vejam. Tenho a certeza que compreenderão melhor. Deixo-vos o link para a entrada no IMDB.


5 comentários:

Anónimo disse...

Claro, como não têm emprego começam a partir tudo que pertence aos outros que com muito sacrificio conquistaram.

É sempre uma opção, apesar de não sera melhor forma de roer ossos.

Caro f.s. devo lembrar-lhe que assim dá razões mais que suficientes para que as bestas nazis entrem em campo, só porque lhe apetece...

Por um Mundo melhor.

F.S. disse...

A segregação devido à cor da pele e à crença religiosa é o que me preocupa particularmente. Seja ela para que lado for.

Quando alguém com menos competências que outro alguém tem prioridade num emprego devido a pertencer a uma casta mais favorecida algo vai muito mal.

Quando as coisas rebentam infelizmente tendem a explodir na cara de quem fez menos para o merecer. É pena que assim seja de facto.

Anónimo disse...

bla bla!!! agora eles sao uns pobres coitados que não fazem mal a ninguem! O portugueses tiveram que trabalhar, muitos pretos tiveram que trabalhar para comer e conseguiram ser alguem na vida fruto do seu trabalho. Racismo o tanas, esses gajos não querem trabalhar e qualquer pretexto serve para partir tudo! tipo praia de carcavelos. Que coitados eles são!!!

F.S. disse...

Caro Fernando: Não compartilho da sua opinião. Está a meter todas as maçãs no mesmo cesto. Podres ou sãs.

Os Portugueses tiveram que trabalhar evidentemente. No entanto nem todas as nações tem um passado de colonialismo e escravatura como os Tugas. E apesar de o terem tido o que as gerações futuras auferiram (nós) foi igual a zero.

Ora amigo, tudo se paga.

Rui Valdiviesso disse...

Há que ver tudo numa perspectiva holística. Todos estes confrontos, injustificáveis, podem ser, todavia, explicados. São o resultado de grandes fenómenos à escala planetária, que já vêm do passado, e que se estão a fazer sentir, agora mais que nunca. É um planeta demograficamente instável, com uma história de contrastes entre continentes, de exploração, de capitalização à custa do sacrifício de milhões de vidas, milhares de milhoes de gotas de suor.
A Europa, a nossa muito querida e velha Europa, já devia, há muito, ter arranjado estratégias para lidar com este fenómeno da imigração e da exclusão social. E grande parte da solução está em África. O que fizemos nós àquele continente? O que investimos lá para melhorar as condições de vida daqueles povos? Que recursos é que o polvo capitalista lá deixa para que os africanos possam organizar, responsavelmente, a sua civilização?
O africano comum é o "lixado da vida". É o explorado. Pior está ainda a africana...
Foram 500 anos de miséria, de escravatura, de exploração. 500 anos que não justificam violência, mas que podem servir como base para explicar uma certa revolta, um certo complexo, uma certa maneira de ser africano ou descendente de África na Europa.

"Until the filosophy wich holds one race superior and another inferior is finally and utterly abandoned and destroyed, everywhere is war."

Hailé Selasié I, Imperador da Etiópia