quarta-feira, maio 18, 2005

Filhos da Miséria

O Mundo é muito injusto. Sabem porquê?
Nascem duas crianças. Quando um novo ser nasce, não escolhe onde, nem quando, nem em que circunstâncias. Vamos imaginar que nascem em Lagos. Não no Algarve, mas sim na capital desse imenso e riquíssimo país que é a Nigéria.
Uma nasce numa clínica privada. É o filho de um empresário importante. Um gestor numa petrolífera que opera na Nigéria, que por sua vez é explorada por uma outra multinacional americana. No alto do seu arranha céus, olha a cidade pela parede envidraçada do seu escritório de luxo. Este preto é um homem de sorte. Tem tudo. Vivenda de luxo no bairro rico, carro alemão, criadas... tudo. Quando olha da janela, desvia o olhar do bairro da lata.
Na periferia da cidade, nasce outra criança. Nasce por sorte, mas não com sorte. Porque nascer é aqui tão aleatório, tão comum, tão difícil... é um acto de amor, desinteresse, expoliação. Dor. A parteira do bairro, mal a preta acaba de parir, corta o cordão com uma tesoura ferrugenta. Esta criança é o filho de um pai que já não o viu nascer. Nunca o conhecerá, porque morreu semanas antes. Com uma doença que infectou a mãe, que condenou o filho. Este, não viverá tempo suficiente para ter memórias.
Nasceram os dois no mesmo país. Une-os essa indelével realidade, de ser o país onde o petróleo, os minérios, a riqueza é explorada. O capitalismo separou-os. Porque a riqueza está, numa pequena fracção, nas mãos daqueles que a começam a explorar, como o empresário, e em maior proporção nas mãos dos europeus, dos americanos, dos asiáticos que lucram com o sangue de África.
Enquanto ouço Fela Kuti, outro dos muitos nigerianos dos bairros da lata exterminados pela SIDA, não me deixo de indignar com esta impressionante injustiça. Até quando os países "civilizados" do "mundo desenvolvido" continuarão a vampirizar o "terceiro mundo"? Até quando vamos assistir indiferentes à miséria que o imperialismo semeia?

3 comentários:

Rui Valdiviesso disse...

"Everything changed for Fela in 1977, when the Nigerian army, under the junta of General Obasanjo, threw Fela's 77-year-old mother from the window of his villa, resulting in her death. That raid, which took place just days after the international FESTAC arts conference (during which time his house had become the informal headquarters for foreign media and fans), was the culmination of a series of harassments against Fela and his extended family. The barbarism of the army - which burned the house, destroyed all of Fela's musical equipment and masters, raped women and beat him unconscious - turned Fela into a revolutionary."
Vivien Goldman, Rolling Stone

www.felaproject.net

Tornemo-nos, também, revolucionários do nosso tempo.

F.S. disse...

Excelente texto!

horned_dog disse...

É de uma tristeza imensa viver num mundo de tão grandes contrastes, gerados pela ganância. É impossível definir correctamente este "fenómeno"... O desprezo pela vida alheia é de tal forma gritante e revoltante...

Uma fantástica nota sobre o fechar de olhos da comunidade internacional a estas realidades...

Afinal de contas, África é tão longe...